17 de dezembro de 2013

Reencontros




Ao longe consigo ouvir o tic-tac do relógio. Confesso que já me tinha esquecido de como era o volúpio desta sonoridade. Ergo o corpo e deixo-o  cair sobre o divã branco daquele pequeno atelier replecto de pedaços de folhas cobertas de branco mas ansiosas por beberem a tinta que corre nas veias de quem as pinta.
Cheguei cedo. Pacientemente observo a desarrumação: os copos vazios da noite anterior, os lençóis desmanchados de uma cama arranjada à pressa, que servira de testemunha de mais uma efémera noite de prazer, as roupas espalhadas aleatoriamente pelo chão. As paredes pintadas de salmão e os cortinados brancos, perfeitamente alinhados e semelhantes entre si davam à sala uma serenidade extenuante. Continuo a olhar em redor, ainda instalada naquele divã, enquanto te esperava.
Despejo a minha mala, numa tentativa desajeitada de encontrar o meu necessaire, vejo-me ao espelho enquanto pinto os lábios com o meu baton cor de vinho, cubro as sobrancelhas com tons de dourado, ajeito o vestido, e tento voltara a concentrar-me na decoração. O meu olhar depara-se com uns quadros, dois, talvez três, com paisagens que pareciam ser de locais muito distantes onde o verde dos prados harmonizava o composição de cores vibrantes. Eram todos de uma similaridade extrema. que ao olhar para um deles, não sabia se estaria também a olhar, em simultâneo, para todos eles. Durante alguns segundos as pinturas que vestiam as paredes foram capazes de me preencher o pensamento que agora voltara a estar ansioso pela tua chegada.
Sabia que, em breve, entrarias por aquela porta que te tinha visto partir num ápice, da última vez que eu estivera ali. Já tinham passado três semanas, três áridas semanas em que  não sentira o teu odor perfumado. O teu voo já tinha chegado há uma hora e meia, pelo menos se não se tivesse atrasado. Queria fazer-te uma surpresa mas sabia que ir ao aeroporto não seria a melhor forma. Preferi esperar naquele espaço, que em tempos fora apenas teu mas que partilhavas o com o teu sócio porque, dizias, ficava mais acessível para pagar as contas.
Já não haveria mais nada em que pudesse reparar, já tinha olhado atentamente e conhecido todos os cantos e recantos. Insistias em não aparecer... Estava a ficar preocupada, levantava-me e voltava a deitar-me. Não queria que me visses inquieta quando chegasses. Queria que olhasses para mim e reconhecesses a minha serenidade (disfarçada) de sempre. Queria que olhasses para mim e dissemos tudo o que tinhamos a dizer, que falássemos até que as palavras faltassem mas,  pensando bem, não sabia por onde começar. Começava a ficar confusa... Gestos, palavras, imagens, muitas imagens, passeavam pela tela da minha imaginação. Via-te e revia-te e quando julguei serenar ouvi a chave a rodar gentilmente, na porta... Estavas a chegar! Do momento em que colocaste a chave na fechadura até que entraste, pareceu-me que se passaram horas, estava impaciente.
Quando me viste, olhaste-me com o teu ar desafiante mas incrédulo. Eu tremia mas esforçava-me para  esconder. Deste uns passos em frente, quase sem rumo, cumprimentaste-me de longe...Parecia que também estavas nervoso, notava-se pelos teus gestos. Ignorei tal facto e andei na tua direção. Disseste-me palavras que julguei não entender mas não me importei. Sabia que não seriam importantes. Indicaste-me o caminho, sentamo-nos, demorosamente. Continuavas a olhar-me, enquanto me perdia em ti, parecia que estavas a tentar reconhecer todos os recantos do meu rosto. Deste-me a mão e impediste-me de falar. A noite já ia longa mas agora estava vestida de um silêncio confortante. Hesitantemente abraçaste-me e a noite perdeu-se em nós, enquanto nos perdíamos dela.


14 comentários :

  1. Adorei o texto... Por mim, podes continuar que eu estarei aqui para ler

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  2. Há silêncios tão bons...

    Adorei este texto minha querida! Diferente dos outros!

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  3. Nada como um bom reencontro para alegrar-nos a alma :)

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  4. r: pois é ! Também não entendo :s

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  5. MUITO OBRIGADA querida!! :)
    Desejo-te o mesmo!

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  6. Eu também nunca liguei muito, mas pode ser que goste de ver no meu pé ((;
    Obrigada querida, espero que também;b

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  7. Que lindo, achei completamente diferente do que já escreveste até agora!! Está tudo bem contigo querida?

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  8. R: Obrigada pelo email querida, é só para enviar o postal de Natal do blog :D

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